30 de janeiro de 2014

Clube do Livro (Janeiro): A Menina Que Roubava Livros

Esta noite papai ficou sentado comigo. Trouxe o acordeão cá para baixo e se sentou perto de onde o Max costumava sentar. Muitas vezes, olho para seus dedos e seu rosto, quando ele toca. O acordeão respirou. Há rugas nas faces de papai. Parecem tensas e, por algum motivo, quando as vejo, sinto vontade de chorar. Não é por tristeza nem orgulho. É só que gosto do jeito de elas se mexerem e mudarem. Às vezes acho que meu pai é um acordeão. Quando ele olha para mim, sorri e respira, eu escuto as notas.
Esse ano no Clube do Livro, decidimos que iríamos eleger nossas leituras de 2014 entre os favoritos de cada membro. Entre os cinco que a Tayla indicou, o mais votado foi A Menina que Roubava Livros - que li já faz muito tempo e que, convenientemente, está com o filme para estrear.

Eu tinha me esquecido completamente da história e do quanto ela me tocou quando a li pela primeira vez – lá pelos tempos da publicação. Essa minha segunda leitura foi tão mágica e encantadoramente dolorosa quanto da primeira vez.

A protagonista, que é também a menina do título, é Liesel Meminger. Quando a história começa, é 1939 e Liesel, que tem apenas dez anos de idade, está sendo levada pela mãe, junto com o irmão, Werner, para ser criada por uma outra família. Antes disso, porém, Werner morre e no enterro dele, Liesel faz seu primeiro furto: O Manual do Coveiro. Só existe um pequeno problema no grande esquema das coisas aqui... ela não sabe ler.

Claro que ao longo das mais de quatrocentas páginas, ela vai aprender muito mais do que apenas a ler – ela vai aprender a escrever sua própria história, e a história daqueles ao seu redor – ela é uma sobrevivente, sempre e sempre e tem de carregar o fardo que isso representa, a responsabilidade de guardar essas vidas que tocaram a sua, de ser uma memória viva.

A maior curiosidade do livro, contudo, é o fato de que a narradora da história de Liesel e daqueles que cruzam a vida da ‘roubadora de livros’ – os Hubermann, Rudy, Max e tantos outros – é a Morte. E a Morte não apenas deixa essa história fluir como volta e meia intervém com pequenas (dolorosas) observações.

É um livro de frases curtas, com um ritmo devagar mas constante, às vezes dando uma olhada no futuro, por outras retornando ao passado. Cheia de momentos de riso e graça – seja pelos personagens quase caricaturais da vizinhança, seja pelas próprias aventuras em que Liesel e Rudy se metem e pelo constante fluxo de impropério de ‘mamãe’ Rosa Hubermann – mas também de instantes de destruir seu coração, pela forma como a realidade da guerra, da perseguição aos judeus e todos os que são diferentes, infiltra-se no cotidiano das crianças.

E essa talvez seja a grande sacada do livro – a história de Liesel é contada de um jeito crível, ela não é uma criança totalmente inocente e ignorante do que acontece ao seu redor (algo com que me digladiei em O Menino do Pijama Listrado), mas isso não significa que ela não pense, sinta e reaja como uma criança.

A Menina que Roubava Livros é um dos meus livros favoritos – e eu agradeço à Tay por ter me dado a oportunidade de me lembrar o porquê disso. É uma história que emociona, que nos faz refletir sobre o que realmente significa coragem e perseverança e solidariedade... e sobre a importância das histórias num mundo que tenta reescrever o passado queimando livros e memória.

Quando a Morte conta uma história você deve parar para ler.


A Coruja


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