20 de outubro de 2012

Do Gênesis ao Apocalipse: O Grande Gatsby


Vi em algum lugar que O Grande Gatsby era considerado ‘a obra do século XX’ e perdia em importância numa lista feita por alguns críticos literários apenas para o Ulisses de James Joyce. Mas isso já foi depois de ter decidido colocar esse título na minha lista ‘Do Gênesis ao Apocalipse’, quando estava pensando em algum título que se passasse no período de entre guerras e desse um pouco o tom dessa época.

- Isso lhe mostrará como é que passei a encarar... certas coisas. Não fazia ainda uma hora que minha filhinha havia nascido e só Deus sabia onde Tom se encontrava. Voltei a mim, do éter que me deram para cheirar, sentindo-me completamente abandonada, e perguntei à enfermeira se a criança era menino ou menina. Respondeu-me que era menina. Voltei, então, o rosto para o outro lado e chorei. "Muito bem", disse. "Alegro-me que seja menina. E espero que ela seja uma tola... que é a melhor coisa que uma menina pode ser neste mundo. Uma linda tolinha."

Fez uma pausa e prosseguiu, com convicção:

- Agora, seja lá como for, acho tudo horrível. Todo mundo pensa assim... as pessoas mais cultas pensam assim. E eu o sei. Estive em toda parte, vi tudo e já fiz tudo. - Lançou em torno de si um olhar lampejante, desafiador, que se assemelhava, de certo modo, ao de Tom, e riu, com eletrizante desdém: - Sofisticada!... Santo Deus, como sou sofisticada!

No mesmo instante em que ela parou de falar, deixando de exigir minha atenção, senti a insinceridade básica de suas palavras. Aquilo me deixou inquieto, como se toda aquela noite não tivesse sido senão um truque destinado a produzir em mim certas emoções. Fiquei à espera e, passado um momento, ela me fitou com um sorriso absolutamente afetado em seu rosto encantador, como se houvesse confirmado a sua qualidade de sócia de uma sociedade secreta, bastante elegante, a que ela e Tom pertencessem.
Acho que a culpa foi mais da curiosidade que fiquei de conhecer o Fitzgerald depois de assistir Meia-Noite em Paris. Eu nunca tinha lido nenhum dos livros dele, não conhecia seu estilo nem nada do tipo, nem mesmo visto qualquer das adaptações para o cinema.

Enfim, seja quais foram os motivos que me levaram a escolher esse título, eu não me arrependo. Tampouco demorou muito para entender o porquê da escolha dele como espelho do “breve século XX” – nas palavras do já saudoso Hobsbawn. Tudo acontece muito rápido, sem sentido, taças de champagne, mentes embotadas, velocidade, traição, jóias, miséria, sonhos, desilusões... Exceto pelo narrador e por Gatsby – fascinante-do-começo-ao-fim-Gatsby – ninguém na história parece ter um plano de vida, ou importar-se com alguma coisa além de seu próprio prazer.

O mundo de O Grande Gatsby é um mundo de futilidades, espelhos e fumaça. Um mundo de hedonistas. De longe, cheio de cores e luzes brilhantes, ‘a vida é uma festa’, orquestras de jazz e o álcool para encobrir as marcas da Grande Depressão.É o jardim da casa de Gatsby visto da janela de Nick, uma festa que nunca termina.

Ou que se apaga dolorosamente quando findam as ilusões. É difícil entender o amor de Gatsby por Dayse, a forma como ele move céus e terras para terminar do outro lado da baía, morando defronte a ela, observando a luz verde do embarcadouro. Tudo para se aproximar da sombra de uma mulher que ele acredita amar – e que ao final não passa exatamente disso: uma sombra.

Melancólica, cética, amarga... eu nem sei que adjetivos mais colocar aqui. Mas o que é mais interessante é que a despeito de seu uma história desesperançada, de não haver nada de extraordinário nos encontros e desencontros dos homens e mulheres que passeiam pela narrativa... o livro é extraordinário.

A linguagem de Fitzgerald é precisa e elegante – em muitos pontos, lembrou-me o estilo de Austen -, consegue criar uma imagística forte com uma concisão que você não está acostumado a ver hoje em dia. Ele te prende, te fascina. Faz com que você mergulhe completamente naquele mundo – você escuta os acordes do jazz, sente o champagne fazer cócegas na língua, e é hipnotizado pelo brilho que esconde toda a corrupção que está por trás de tudo aquilo.

É um encantamento. Fitzgerald te enfeitiça com suas palavras. E é bastante possível que você acaba retornando a ele para mais dessa magia. Belos e malditos – usando outro de seus títulos – eis o que é O Grande Gatsby.


A Coruja


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6 comentários:

  1. vejo nas prateleiras do sebo uns livros dele, alguns por 10 reais ou menos... mas sempre que penso em comprar estou sem nem um puto no bolso!

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    1. Coloque-o na lista para se lembrar. Vale muito realmente à pena ;)

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  2. Lulu, Fitzgerald é de fato delicioso!! - mesmo antes de ter o rosto de Tom Hiddleston, hehehehe...

    Você já leu Belos & Malditos? Ele é ainda mais... hã... difuso que O Grande Gatsby. O livro todo é uma grande expectativa; e, quando a história termina, você continua na dúvida se ama ou odeia Anthony e Gloria, depois de ter passado todo o tempo de convivência com eles querendo apertá-los ao peito ao mesmo tempo em que teve ganas de atirá-los pela janela. Ou na frente do trem.

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    1. Não li Belos e Malditos mas vou colocá-lo na lista também. Para ser sincera, daquela geração de malditos, gostei mais do Fitzgerald que do Hemingway. O estilo dele muito me agrada. Ele é fantástico!

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