3 de julho de 2012

Desafio Literário 2012: Julho - Prêmio Jabuti || A Mulher que Escreveu a Bíblia

- Quero que escrevas esse livro. Quero que descrevas a trajetória de nossa gente através do tempo. Quero que fales de nossos patriarcas, de nossos profetas, de nossos reis, de nossas mulheres. E quero uma narrativa linda, tão bem escrita como essa carta que enviaste a teu pai. Quero um livro que as gerações leiam com respeito, mas também com encanto.
Tinha pensado inicialmente em outros livros para essa etapa do DL 2012, livros que eu achava que seria fácil providenciar numa visita à biblioteca ou coisa do tipo. Como minha sorte é uma coisa bizarra, fui em duas bibliotecas – a da Católica, que está fechada esse mês para inventário e a do Estado, fechada para reforma.

Um dos volumes que eu tinha pensado inicialmente está esgotado, o outro livro, até em sebo, está muito caro, de forma que fui catar outros títulos e por fim cheguei ao Moacyr Scliar, que tem edição de bolso e minhas finanças agradecem.

Enfim, A Mulher que Escreveu a Bíblia recebeu o Prêmio Jabuti em 2000 – e foi um prêmio mais que merecido. Original e divertido, o livro começa com um narrador meio pilantra: ex-professor de História, encontrou profissão mais rentável em ‘guiar’ gente crédula em suas vidas passadas.

É assim que ele encontra uma jovem angustiada que acaba lhe descrevendo sua vida na corte do rei Salomão. Fica meio implícito o paralelo de passado e presente, mas isso é secundário aqui: o importante são as lembranças que a jovem tem de sua outra vida, lembranças que coloca no papel e que são mais que polêmicas, são tabu.

A narradora nunca ganha um nome além do qualitativo: ela é uma mulher feia, filha mais velha de um líder de tribo, que se torna uma das centenas de esposas do rei Salomão para consolidar uma aliança política. Só que, num harém de centenas de esposas e concubinas perfeitas, uma mulher feia não tem muita chance de ser chamada para a cama do rei, nem mesmo para consumar o casamento.

Assim é que ela decide começar uma conspiração, é descoberta, mas em vez de ser sumariamente devolvida para o pai ou morta por traição, a carta que ela escreveu é não apenas surpreendente – onde já se ouviu falar de mulheres que sabem ler e escrever? – como de estilo extremamente cativante, o que faz Salomão lhe passar a tarefa de escrever, junto aos sábios do reino, um livro que conte toda a história do povo de Deus, um livro único, a obra máxima de sua vida.

Um livro que virá a se tornar a Bíblia.

Embora o plot do livro seja bastante criativo e original da maneira como é conduzido, a idéia já me era familiar de ler os ensaios de Harold Bloom – mais de uma vez ele fala sobre o Antigo Testamento, convencionando chamar seu autor de ‘javista’; mais exatamente de A Javista. Não sei se essa é uma teoria exclusiva dele, mas o caso é que Bloom chegou a escrever um inteiro livro sobre a questão da autoria dos primeiros livros bíblicos, The Book of J.

Não sei se Scliar conhecia essa teoria, mas acho provável que sim; o livro de Bloom teve sua primeira edição publicada em 1990 e não me parece nem de longe difícil que o brasileiro tenha cruzado com a obra do crítico literário.

Seja como for, tendo ou não consciência das teorias, o fato é que a narrativa de Scliar é extremamente agradável; divertida em sua auto-crítica de valores, de aparência contra conteúdo, prazer, dever e outras prioridades – há muitos níveis de interpretação na obra e todos que consegui enxergar são bastante intrigantes.

Um último comentário... embora não tenha estudado a fundo o assunto, acho a idéia de uma mulher por trás dos primeiros livros do Antigo Testamento, autora de um dos pontos fixos da cultura ocidental, uma deliciosa ironia. E eu bem gostaria de ver essa autoria ser confirmada e as conseqüências que ela teoria para muitos dos mitos que permeiam religião e sociedade...

Nota: 4
(de 1 a 5, sendo: 1 – Péssimo; 2 – Ruim; 3 – Regular; 4 – Bom; 5 – Excelente)

Ficha Bibliográfica

Título: A Mulher que Escreveu a Bíblia
Autor: Moacyr Scliar
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2007
Número de páginas: 168



A Coruja


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11 comentários:

  1. Muito interessante, Luciana. Vou atrás dele pra ler. Valeu pela indicação.

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  2. Nuca li nada de Scliar, mas todos que já leram afirmam que ele tem uma narrativa muito boa.... gostei demais do titulo escolhido, tbm queria que alguns livros da bíblia tivessem uma mulher por trás das palavras....
    Como nunca li nada do autor vou colocar na lista =D

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    1. Pois é, eu também não me lembrava de ter lido alguma coisa dele... talvez crônicas, não tenho bem certeza... mas a narrativa dele muito me agradou e a temática vale bem à pena.

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  3. Olá!
    Tive que ler esse livro no meu segundo semestre de faculdade para uma disciplina de Literatura e simplesmente amei!

    Scliar utiliza uma linguagem desbocada e uma ironia pra tratar de um assunto sempre levado com tanta seriedade que a obra ganha ainda mais pontos positivos.

    Preciso ler mais coisas dele...

    Beijoos e parabéns pelo blog!

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    1. Sim, sim, concordo. Ele trata a coisa toda com leveza, mas por trás da ironia, há um tema forte, bem polêmico... e interessante. Vale muito pela possível discussão além das risadas.

      Que bom que gostou do Coruja ^^ Volte sempre!

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  4. Esse livro é delicioso. Rendeu-me boas risadas.

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    1. Acho que é difícil não rir com ele, Vivi... a narradora é de uma espirituosidade ímpar. O Scliar está agora na minha lista para futuras leituras.

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  5. Também li esse para o desafio... aproveitei que saiu uma edição nova por aquela coleção da Folha, e tá bem baratinha... devorei o livro em 3 dias... muito bom!!!

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    1. Eu li a edição de bolso da Companhia das Letras... gosto muito dessa coleção.

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  6. Adorei sua resenha, encontrei lá no Desafio Literário! Achei o livro bem divertido, até pela ironia com que o autor trata os tabus e a linguagem moderna e desbocada utilizada para a narrativa. A única coisa que me decepcionou foi uma espécie de aplicação da "regra 34": queria que ele focasse menos no desejo sexual, por mais que isso seja determinante para a protagonista, e um pouco mais na época. Mas é um desejo meu (e nem tanto por moralismo) de ter lido um romance histórico mais focado na parte histórica mesmo...

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